A Redação do Jornal O Vigilante Online destaca o trabalho de pesquisadores em Leopoldina e região, dentre eles o leopoldinense Felipe Pacheco, biólogo e cientista, mestre em Ecologia e doutorando em Biologia Animal.
O sagui-da-serra-escuro, de nome científico Callithrix aurita, também é conhecido como sagui-caveirinha, por conta de sua face branca, que lembra um crânio. O pequeno primata pesa menos de 500 gramas, tem a coloração do corpo basicamente negra, podendo ser salpicada de vermelho ou ter manchas ruivas, e a cauda apresenta anéis esbranquiçados. Pode ter uma faixa ocre no topo da cabeça, e possui tufos de pelos brancos saindo das orelhas.
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A espécie só ocorre naturalmente em áreas florestais da Mata Atlântica nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais ao sul do rio Doce. Com o azar de ter sua distribuição na região mais populosa e de exploração mais antiga no país, o sagui-da-serra-escuro enfrenta a pressão do desmatamento, que isolou as populações remanescentes em pequenos fragmentos de floresta.
Além de problemas decorrentes do isolamento, há a presença de saguis invasores em sua área de ocorrência. Trazidos pelo tráfico de animais silvestres da Caatinga e do Cerrado, respectivamente, o sagui-de-tufos-brancos (Callithrix jacchus), e o sagui-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata), conhecido também como mico-estrela, se estabeleceram muito bem na região. Eles competem por espaço e alimento com o sagui-caveirinha, e ainda cruzam com a espécie nativa, gerando animais híbridos férteis, ao contrário do que acontece, por exemplo, com as mulas (cruzamento de cavalo com jumenta ou de égua com jumento), que são estéreis. Este processo faz com que a genética das espécies envolvidas seja dissolvida, culminando no seu desaparecimento.
Sagui-da-serra-escuro registrado em Além Paraíba. Foto: Felipe Pacheco.
Atualmente, o sagui-da-serra-escuro é classificado como em perigo de extinção nos estados de Minas Gerais e São Paulo, e como vulnerável no Rio de Janeiro. Também está em perigo em nível nacional, segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (ICMBio, 2018), e global, de acordo com a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN, 2021). Estimativas indicam que sua população, que está diminuindo, seja de aproximadamente 10.000 indivíduos maduros na natureza.
Restam hoje apenas 12,4% da área original da Mata Atlântica, casa do sagui-da-serra-escuro, conforme mostra o relatório lançado recentemente pela Fundação SOS Mata Atlântica, em maio de 2022. Em Leopoldina, por exemplo, a situação é ainda mais preocupante, onde há somente 9,61% da cobertura original do bioma, e grupos de mico-estrela são facilmente vistos até mesmo no centro da cidade e nos distritos – quadro comum em toda a região. E mesmo com o município estando inteiramente inserido na área de distribuição da espécie nativa, ela nunca havia sido registrada formalmente por aqui.
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Em junho de 2022, pesquisadores do Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra, da Universidade Federal de Viçosa (CCSS – UFV), após detectarem a presença de saguis invasores em diversas localidades, conseguiram registrar alguns grupos do sagui-caveirinha em remanescentes florestais remotos de Leopoldina. Em Além Paraíba, Chiador, Estrela Dalva e Volta Grande, onde não se tinha ocorrências conhecidas pela ciência há décadas, grupos do sagui ameaçado também foram encontrados. Registros recentes da espécie tem sido escassos em toda a Zona da Mata, o que traz a estes municípios a enorme responsabilidade de zelar pela conservação de um dos primatas mais ameaçados de extinção do mundo.
A extinção de uma espécie também elimina sua função ecológica da natureza, o que pode afetar indiretamente a nossa própria qualidade de vida. O sagui-da-serra-escuro é um excelente predador de insetos, controlando suas populações, e um grande dispersor de sementes, contribuindo com a manutenção da biodiversidade nas florestas, ajudando a manter a própria Mata Atlântica, o que ilustra a importância de sua conservação.
A população também pode ajudar em sua proteção de maneiras simples. É importante não alimentar os animais, sejam os saguis invasores, os saguis nativos, ou qualquer outro animal silvestre. Quando se alimenta os invasores, como o mico-estrela, há uma tendência de que se reproduzam mais, aumentando a pressão
Mico-estrela registrado em Leopoldina. Foto: Felipe Pacheco.
sobre o sagui-caveirinha. E alimentando animais silvestres, há uma grande chance de transmissão de zoonoses que são mortais, como a raiva, e a herpes, fatal para os saguis e presente no organismo de boa parte dos humanos. Adicionalmente, os alimentos ofertados não são adequados aos saguis, podendo acarretar em diversos problemas de saúde. Também é importante não retirar animais da natureza ou não adquirir animais silvestres. Macacos não são bons pets, pois não se adaptam bem ao ambiente doméstico, podendo fugir ou se tornar agressivos, além de serem sociais, ficando debilitados quando mantidos sozinhos. E as fugas ou solturas de saguis obtidos ilegalmente são as grandes responsáveis pela introdução do mico-estrela e do sagui-de-tufos-brancos na área de distribuição do sagui-da-serra-escuro.
E caso sejam vistos indivíduos ou grupos do sagui-da-serra-escuro, é indicado entrar em contato com o Centro de Conservação dos Sagui-da-Serra (CCSS – UFV) pelo e-mail ccss@ufv.br , para informar a localização e ajudar nas pesquisas para a sua conservação. E para saber mais sobre o Centro, que também reproduz o sagui-da-serra-escuro para futuras reintroduções na natureza, sobre suas espécies alvo, e sobre os projetos desenvolvidos, há ainda as redes sociais (Instagram: https://www.instagram.com/ccssufv ; Facebook: https://www.facebook.com/CCSS.UFV ) e um site ( https://ccss.ufv.br/ ). Coordenado pelo Professor Dr. Fabiano Rodrigues de Melo, o CCSS-UFV é vinculado ao Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa, e sua equipe multidisciplinar conta com representantes dos departamentos de Biologia, Engenharia Florestal, Veterinária e Zootecnia, incluindo graduandos, pós-graduandos e professores.
É desejável que em um futuro próximo sejam adotadas medidas oficiais de proteção ao sagui ameaçado na região. A exemplo, nenhum dos municípios citados conta com áreas protegidas pelo poder público formalmente reconhecidas – como parques, reservas biológicas, áreas de proteção ambiental, entre outras. Mesmo as que existem, como o Horto Florestal de Leopoldina, não se encontram registradas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, o CNUC, ficando de fora de incentivos e políticas públicas conservacionistas. Algumas casas legislativas tem aprovado leis específicas voltadas ao sagui-da-serra-escuro quando este ocorre em seu território, em geral, incentivando e orientando atividades de divulgação da espécie e educação ambiental, além de seu estudo e pesquisa. Para ilustrar, em Viçosa, há a Lei nº 2.821/2020, que “Institui o Dia Municipal do Sagui-da-serra-escuro – Callithrix aurita – no município de Viçosa, estabelece a espécie como o mascote oficial da cidade e dá outras providências”; ou como também em Petrópolis, onde há a Lei nº 7.899/2019, que similarmente “Institui o dia municipal do sagui-da-serra-escuro – Callithrix aurita – , no município de Petrópolis e dá outras providências”. Estas são ações tangíveis a serem realizadas localmente, e que além de protegerem este primata tão cativante, podem contribuir consideravelmente com a qualidade de vida na região.
As informações são do Jornal O Vigilante Online