A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar a denúncia de uma mulher que cobrava para antecipar cirurgias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Santa Casa de Misericórdia em Juiz de Fora. Ela se identificou como Regina, uma suposta instrumentadora cirúrgica do hospital, e chegou a pedir R$ 4 mil para liberação da operação de um adolescente de 17 anos.
O caso chegou às autoridades policiais após a família do rapaz, que mora na cidade de Guarani (MG), procurar a advogada Teresinha Bento por suspeitar que a mulher praticava o crime de realizar cobrança para disponibilizar vagas em leitos públicos.
Em entrevista ao MG1 exibida nesta quinta-feira (4), uma prima do adolescente, que não quis ser identificada, explicou a situação do rapaz e como chegou até a instrumentadora.
A reportagem também ouviu a delegada responsável pelo caso, Ione Barbosa, e a Santa Casa de Misericórdia, que afirmou que Regina não trabalha na instituição e que abriu investigação interna para apurar as informações.
O nome do médico citado por Regina, que seria chefe dela no hospital, não foi divulgado e está sob sigilo, já que os áudios em que ele é mencionado ainda aguardam a perícia da Polícia Civil.
A prima contou na reportagem que o adolescente foi baleado na coluna no fim do ano passado e está com complicações. Ele mora em Guarani, onde não há hospital de referência para fazer este tipo de procedimento.
Segundo a família, ele já consultou, tem uma guia do SUS e afirmou que a Secretaria Municipal de Saúde de Guarani aguarda a liberação para a cirurgia ser feita na Santa Casa de Misericórdia, em Juiz de Fora, mas a espera pela operação já dura quase dois meses.
Foi então que a prima recebeu a indicação de uma mulher que teria “acesso livre” na Santa Casa para liberar a intervenção.
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“Ela veio falar comigo, falou que jamais falaria no particular. Que o menino morreria na fila do SUS e não iria ser chamado, e que ela ajeitaria isso pra mim se eu trouxesse para ela o negócio, que seria o dinheiro. Quando eu falava pra ela em dinheiro, ela fala o tempo todo: ‘não fala em dinheiro!'”
De acordo com a familiar do adolescente, Regina afirmava que a cirurgia particular seria R$ 60 mil e que se ela pagasse R$ 4 mil, a instrumentadora “daria um jeito” na guia do SUS. A prima achou estranha a conduta e acionou a advogada, que para continuar a conversa se passou por outra parente do rapaz.
A advogada então começou a se corresponder por telefone com Regina e se apresentou como Cláudia. Nos áudios mostrados na reportagem, a mulher contou que trabalha com o cirurgião que realizaria o procedimento do adolescente e que se não fosse através do pagamento, o jovem não conseguiria a operação. Veja abaixo a transcrição.
Cláudia: “Veio na minha cabeça isso aqui, né? Você trabalha no SUS? Eles falam que tem que trabalhar no SUS a pessoa que faz isso.”
Regina: “Ah, então minha filha…Você não tem isso não, tá? Eu trabalho com o cirurgião que vai operar o seu parente. Eu mexo com coisa do SUS, eu que resolvo, não tem nada a ver esse negócio de coisa de SUS, tá? Aqui eu vou te mostrar. Quem te falou isso tá te falando mentira.”
Cláudia: “Não, mas não foi hoje não, eu só lembrei uma vez que um conhecido meu precisou.”
Regina: “Não, não, olha.. não. Não é nada… Hoje ninguém tá vindo com SUS, convênio tá tudo parado, e se não é desse jeito, não vai operar, vai ficar complicando, bota complicação, então assim…É…Não fica me fazendo pergunta não. Eu tô resolvendo a situação pra tá garantindo a cirurgia do seu parente.“
Durante a conversa, a instrumentadora se mostra nervosa com as perguntas feitas pela advogada e dizia que um contato entre a Santa Casa e a Secretaria de Saúde de Guarani seria feito para acelerar o processo.
De acordo com a advogada, do início ao fim Regina se mostrou confiante de que o crime seria concluído e de que ela receberia o dinheiro. O que chamou atenção, inclusive da Polícia Civil, foi que a profissional marcou para receber os R$ 4 mil na casa dela, no Centro.
Para a polícia, a atitude apresenta indícios de que essa não teria sido a primeira vez que a instrumentadora negociou a compra de vaga do SUS para cirurgias.
A família registrou um Boletim de Ocorrência (BO). A delegada responsável pelo caso, Ione Barbosa, afirmou que o caso apresenta um agravante, por se tratar de venda de leitos em plena pandemia da Covid-19
“Isso configura, em tese, o crime de estelionato. Porque ela está usando de artifício para conseguir um valor indevido usando da sua posição. Ela também fala nomes de médicos renomados aqui em Juiz de Fora, fala nomes de outras pessoas que a gente vai investigar também para ver se essa conduta é só dela ou se envolve outras pessoas.”, afirmou a delegada.
Em nota, a Santa Casa de Misericórdia informou que tomou conhecimento o caso pelas redes sociais na noite de terça-feira (2) e que repudia todo e qualquer ato de improbidade, principalmente que envolvam os pacientes do SUS.
“Ressaltamos ainda que a pessoa citada no vídeo não é funcionaria do hospital. Estamos abrindo imediatamente uma investigação para apurar todos os fatos e tomar todas as providências cabíveis”, afirmou a instituição em trecho do posicionamento.
A Secretaria Municipal de Saúde de Guarani informou que uma guia do SUS para a cirurgia do adolescente foi lançada e que aguarda a liberação da Santa Casa de Misericórdia. A pasta relatou que não tinha conhecimento da denúncia que foi feita pelos familiares do paciente.
A reportagem do MG1 também tentou contato com Regina e foi informada que ela está sob cuidados médicos e que não vai se pronunciar no momento.
Fonte : G1 Zona da Mata